domingo, 31 de dezembro de 2017

Medo líquido

Zygmunt Bauman (1925-2017)
Zahar - 240 páginas

"O medo é mais assustador quando difuso, disperso, indistinto, desvinculado, desancorado, flutuante, sem endereço nem motivo claros. (...)
'Medo' é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância de ameaça e do que deve ser feito - do que pode e do que não pode - para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessá-la estiver além do nosso alcance." (página 8)

Li Bauman há cerca de 8 meses (Amor líquido) e logo de cara vi que aquele não seria o único livro dele que leria pois, de uma forma lúcida, ele consegue fazer um retrato de nossa sociedade pós-moderna, sem rodeios, nem enrolação.

Nessa obra, o tema é o medo que permeia nossa vida diária, apesar de toda suposta segurança que usufruímos nesse século. O livro foi lançado em 2006 e o autor aproveitou para discorrer de temas recentes (o desastre do Katrina em 2005, o ataque das torres gêmeas em 2001 e outros eventos terroristas da época) para mostrar como estamos cercados pelo medo e pela ansiedade.

"As oportunidades de ter medo estão entre as poucas coisas que não se encontram em falta nessa nossa época, altamente carente em matéria de certeza, segurança e proteção." (pág. 31)

A morte, então, apesar de ser uma certeza na vida da humanidade, torna-se algo que nos assombra diariamente pois pode vir de onde menos se espera. E mesmo que se espere, não há muito o que fazer para evitar. Quais foram as maiores vítimas do Katrina: pobres x ricos, brancos x negros?
Além dos eventos "naturais", a morte surge quando se mata em nome de uma ideologia, de uma religião, de um líder. Vimos que na 2a Guerra Mundial muitos mataram porque a ordem veio de um superior/chefe/líder:

"Com a ajuda de seus cultos advogados, Eichmann tentou convencer o tribunal de que, já que seu único motivo era o trabalho bem-feito (ou seja, capaz de satisfazer seus superiores), este não se relacionava com a natureza e o destino dos objetos de suas ações. (...) deixaram implícito que a morte de aproximadamente seis milhões de seres humanos foi apenas um efeito colateral." (pág 81)

Mas como enxergamos a morte, no âmbito pessoal, quando atinge alguém muito próximo?

"Cada morte é a perda de um mundo - uma perda definitiva, irreversível e irreparável. " (pág. 60)

E ele cita Freud: "Colapso total quando a morte atinge alguém a quem amamos (...) Nossas esperanças, desejos e prazeres jazem na tumba com ele, não nos consolaremos, nem preencheremos o lugar daquele que perdemos." (pág. 61)

Então, num mundo assim, seria de se esperar que as pessoa se unissem em compaixão, certo? Mas na prática não é bem isso que acontece...

"Na sociedade líquido-moderna dos consumidores,  cada membro individual é instruído, treinado e preparado para buscar a felicidade individual por meios e esforços individuais. O que mais possa significar a felicidade, ela sempre quis dizer ser livre das inconveniências." (pág. 68)

"Exortados, instados e pressionados diariamente a perseguirem seus próprios interesses e satisfações, e a só se preocuparem com os interesses e satisfações dos outros na medida em que afetem os seus, os indivíduos modernos acreditam que os outros à sua volta são guiados por motivos igualmente egoístas - e portanto não podem esperar deles uma compaixão e uma solidariedade mais desinteressadas do que eles próprios são aconselhados, treinados e dispostos a oferecer." (pág. 172)

O autor exagerou? Infelizmente acho que não...
Vivemos num mundo corrompido, doente e decadente e, se não tivermos fé em Deus (mesmo que seja do tamanho de um grão de mostarda), dificilmente teremos serenidade e paz para vivermos os dias que nos restam debaixo do sol.

Boa leitura!






terça-feira, 28 de novembro de 2017

Polícia Federal: a lei é para todos

Carlos Graieb e Ana Maria Santos
Ed Record - 280 páginas

"Até ali (março de 2016), os números da Lava Jato realmente impressionavam: vinte e oito fases deflagradas; 2,9 bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos; 2,4 bilhões de reais ainda bloqueados; 179 réus, 93 condenações criminais; 990 anos de penas somadas." (página 265)

Desde março de 2014 não há um dia sequer nesse país, que não apareça alguma reportagem na TV sobre a Lava Jato. O que começou numa investigação de evasão de divisas  e lavagem de dinheiro, se tornou algo surpreendente. Os 4 doleiros suspeitos eram peixe pequeno. O fio foi puxado - imagine um doleiro presentear um executivo da Petrobras com um Land Rover avaliado em 250 mil reais - e uma rede bem articulada de propinas surgiu. Não só na Petrobras, mas na Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão, Mendes Júnior, UTC, entre outras. Daí para se  chegar à esfera política foi rápido. Planilhas e programas de gerenciamento de propinas foram descobertos e os desvios não foram poucos, nem pequenos. Todo mundo queria levar seus milhõezinhos na engrenagem montada.

A obra conta tudo isso que já ouvimos, de uma forma leve, sob a ótica dos policiais federais envolvidos. Como eram as investigações? E as abordagens? Como conseguiram localizar tanta gente em diversas partes do país e do mundo a partir de Curitiba? Quais foram os contratempos, as dificuldades?

A leitura desse "romance político-policial" nos traz algumas respostas, mas também nos faz refletir sobre outras coisas. Hoje já estamos na 47ª fase da Lava Jato e muita coisa ainda está por vir. Será que um dia acabaremos com a corrupção em nosso país? Conseguiremos criar um mecanismo tão eficaz anti-corrupção como a que existiu/existe para promovê-la? Há esperança nas eleições de 2018 ou são todas cartas marcadas?

Boa leitura!

Dedicatória da autora

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A menina que não sabia ler - vol 2

John Harding
LeYa - 288 páginas

"Aparências, aparências! Como é fácil julgar que é louco um homem são e que é são um louco!" (página 52)

Apesar de não parecer, esse livro é continuação do anterior. Depois daquele final absurdo, ficamos sem saber o destino de alguns personagens. Longe de explicar o que aconteceu, temos um deles de volta: Florence, agora com o nome de Jane Pomba, já que ela não se lembra de seu nome e nem de onde veio.

Jane está em um hospício numa ilha, com diversas mulheres. O tratamento que o dr Morgan faz com elas é desumano: banhos gelados, restrição alimentar e horas presas em cadeiras de "contenção", tudo para ensiná-las a se comportar.

É assim que o dr John Shepherd chega na ilha, para seu novo emprego como assistente do dr Morgan. John, aliás, roubou essa identidade de outra pessoa em um acidente de trem e, por sorte, se viu livre de seu triste destino para recomeçar a vida nesse lugar distante. Por isso, ele chega de mala e cuia no local, sem despertar suspeitas.

John se assusta com o tratamento dado às mulheres e pede ao dr Morgan para usar um tratamento mais humano com uma das pacientes. Ele aceita e a escolhida é Jane Pomba, uma jovem que mal sabe falar e não recorda nada sua vida, nem seu nome.

O tratamento começa e algumas coisas acontecem ao redor de John, que o deixa sempre alerta: será que desconfiam de alguma coisa acerca dele? E se alguém descobre que ele não é o dr John verdadeiro?

Todos parecem esconder algum segredo e a trama vai te envolvendo. O final também é surpreendente, mas ainda ficam algumas pontas soltas do livro anterior, que não foram respondidas. Será que vem um volume 3 por aí ou o lance do autor é deixar tudo em aberto mesmo?

Boa leitura!



terça-feira, 31 de outubro de 2017

A menina que não sabia ler

John Harding
LeYa - 288 páginas

"Propus-lhe um acordo. Eu lhe daria permissão para o beijo que tanto desejava se ele escrevesse um poema para mim." (página 19)

Assim que soube que ia ficar de molho por algumas semanas, uma amiga trouxe dois livros para eu ler: este e o volume dois. Ela, porém, fez o alerta - Não sei se você vai gostar. Eu nunca tinha lido um livro assim. Leia e depois a gente conversa.

Fiquei curiosa, claro, e comecei a ler a história de Florence e Giles, dois meio-irmãos órfãos, que são criados num casarão na Nova Inglaterra, em 1891, pelos empregados do tio misterioso e ausente.

Florence tem 12 anos e Giles, oito. Por ordens do tio, ela não devia aprender a ler, apenas a costurar e a fazer tarefas femininas. Já o irmão, depois de uma experiência em um colégio interno, passa a ser educado em casa por uma preceptora, a srta Whitaker. Flo, porém, descobre um aposento "proibido" na casa: uma biblioteca e, usando de várias estratégias, consegue frequentá-la e aprende a ler por conta própria. Lê de tudo um pouco, mas se apaixona por Shakespeare:

"Chorei pelo rei Lear, fiquei com medo de Otelo e aterrorizada com Macbeth; Hamlet, simplesmente adorei. Os sonetos emocionaram-me." (pág 17)

Uma tragédia, porém, faz com que venha outra preceptora (srta Taylor) e a vida de Florence começa a se complicar, já que ela acredita que a mulher veio com más intenções. 

Este não é um tipo de livro que eu curta (tem coisas muito macabras!), apesar do comecinho me enganar, mas li até o fim pela curiosidade. Fantasia ou realidade: o que de fato aconteceu naquela casa nos meses seguintes? O final é surpreendente e não sei até agora o que pensar.

Pra quem curte um terror, vai amar.

Boa leitura!

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Americanah

Chimamanda Ngozi Adichie
Companhia das Letras - 520 páginas

"...ela parou de sonhar. Estava com medo demais de ter esperanças..." (página 111)

Ifemelu é uma jovem que vive em Lagos, Nigéria, e vive a vida típica de uma jovem da sua idade. Estuda, namora (Obinze), curte os amigos e tem planos para o futuro. Porém, estamos nos anos 90 e o país é governado por um regime militar. As faculdades vivem em greve e a perspectiva de uma vida melhor se encontra em Londres ou nos Estados Unidos.

Ifemelu, então, junta seus poucos recursos e vai para os EUA para estudar. Lá, ela se depara, pela primeira vez, com o racismo. Cor da pele, que nunca significou nada, passa a ser determinante para conseguir emprego, ser aceita nos grupinhos ou, até, para encontrar um namorado. Mas, e Obinze, seu namorado nigeriano? Bom, ele não conseguiu o visto para acompanhar a namorada e, por motivos diversos, foi parar em Londres. O namoro deles, que era tão puro e verdadeiro, é colocado à prova graças a um terrível episódio na vida de Ifemelu e, durante anos, cada um vai construindo - e desconstruindo também - suas vidas.

O livro é uma daquelas obras que você devora e se pergunta porque não leu antes. Ficção e realidade se entrelaçam: temos o atentado das torres gêmeas, a eleição de Obama, a discussão acerca dos imigrantes permeando toda a trama.

Se estiver em dúvida em qual livro ler ainda esse ano, já achou. Ele é apaixonante.

Boa leitura!

sábado, 2 de setembro de 2017

As cores da vida

Kristin Hannah
Ed Arqueiro - 352 páginas

"- O que você está fazendo?
- Um desenho da gente. (...) A mamãe vai conseguir ver do céu, não vai?" (página 9)

Vivi Ann Grey tinha apenas 12 anos, quando fez essa pergunta para Winona, sua irmã de 15. Acabara de perder a mãe e agora seriam apenas elas, a outra irmã (Aurora) de 14 anos e o pai no rancho da família. Ah, e tinha também Clementine, a égua de estimação da mãe.

Treze anos depois, as irmãs continuaram unidas, apesar das mudanças da vida: Aurora se casou e teve um casal de gêmeos, Winoma virou uma advogada bem-sucedida e Vivi Ann continuou no rancho com o pai, participando de competições com Clem e dando aulas de montaria para as meninas da região.

Tudo caminhava relativamente bem até que Vivi Ann ficou noiva. O que era para ser festa para os Grey acabou se tornando uma tragédia familiar: será que o amor entre as irmãs podia acabar? Haveria lugar para o perdão mútuo? Como cada uma iria sair do fundo do seu poço particular?

É uma trama bem escrita, que te prende e faz com que você, a cada momento, torça por uma das irmãs. É fácil tomar a dor de cada uma e, ao mesmo tempo, é fácil ficar com raiva também! Relacionamentos são assim: todos erram, mesmo que não queiram, e o ônus a pagar muitas vezes é bem alto. Mas sempre existe uma saída e quando enxergamos que pequenos gestos fazem a diferença as coisas começam a mudar...e pra melhor.

Vale a pena a leitura!




sábado, 19 de agosto de 2017

A presença

Bill Johnson
Ed Luz às Nações - 200 páginas

"Nós recebemos um dos maiores privilégios de todos os tempos - abundância de esperança num tempo sem esperança." (página 83)

Esse é um livro que te incentiva a buscar mais da presença de Deus, através do Espírito Santo.

"Viver com consciência contínua de Deus deve ser uma meta suprema para qualquer um que compreende o privilégio de hospedá-lo." (pág. 153)

Com exemplos bíblicos, pessoais e de conhecidos, o autor mostra como isso é possível e quais os frutos dessa busca.

"Domínio próprio não é a capacidade de dizer não para milhares de outras vozes, é a capacidade de dizer sim para uma única coisa a ponto de não sobrar nada para dar às outras opções." (pág. 183)

Um livro imprescindível para o cristão que quer alimentar sua fé e crescer rumo à maturidade espiritual.

"O necessário não é menos Dele. É necessário que todos nós sejamos cobertos e preenchidos por tudo Dele!" (pág.77)

Boa leitura!

sábado, 5 de agosto de 2017

Seis anos depois

Harlan Coben
Editora Arqueiro - 272 páginas

"Todos têm seus sonhos, esperanças, vontades, desejos e mágoas. Todos têm um tipo próprio de loucura."
Página 18

Jake Fisher conheceu o amor da sua vida num retiro para artistas: Natalie Avery, uma jovem pintora, com quem trocou juras de amor e viveu meses inesquecíveis. Tudo ia bem até que ela rompeu o namoro e o comunicou que estava voltando para um ex-namorado, com quem, dias depois, trocou alianças numa capela.

"Sentei-me no último banco da igreja e fiquei assistindo à única mulher que amaria na vida se casar com outro homem." (pág. 7)

O golpe foi duro e o pior foi ter de jurar que a deixaria em paz. 
O sonho acabou e ele teria de seguir em frente, sem olhar pra trás.

Jake fez isso por 6 anos e focou sua vida como professor de ciência política em uma faculdade em Lanford até que, um dia, se deparou com o obituário de Tood Sanderson, o marido de Natalie, no feed de notícias da faculdade. 
Por ali, Jake descobriu que Todd tinha 42 anos, dois filhos e era o fundador de uma instituição de caridade chamada Novo Começo. Então, ele não pensou muito e decidiu comparecer ao serviço fúnebre que iria ocorrer em outra cidade. O que ele não sabia é que iria descobrir coisas que jamais ousaria sonhar e iria colocar sua vida (e as das pessoas que o cercam) em risco a partir daí.

Eu nunca tinha lido nada do autor e gostei muito da forma como ele amarra os capítulos e a história como um todo. 
Esse é um tipo de livro que você a começa a ler e, se não se cuidar, vara a noite lendo, pois tem uma trama que prende do começo ao fim (eu li em 3 dias porque me segurei).


Vale a pena a leitura!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Deuses falsos

Timothy Keller
Thomas Nelson Brasil - 176 páginas

"... o coração do homem toma coisas boas como uma carreira de sucesso, amor, bens materiais, e até a família, e faz delas seus bens últimos. Nosso coração as diviniza..." (página 13)

Hoje, mais do que nunca, vivemos na era do "seja feliz a qualquer preço". Aliás, se você não puder "ser feliz", pelo menos, aparente que você é!

Só que nessa busca pela felicidade eterna, ocupamos nossos corações com deuses como o dinheiro, o amor, o sucesso, o poder, entre outros que, por si só não ruins, mas quando ocupam muito do nosso tempo/pensamento/ações, se tornam nocivos para o nosso viver.

Mas, o que é um ídolo?
"É qualquer coisa que seja mais importante que Deus para você, qualquer coisa que absorva seu coração e imaginação mais que Deus, qualquer coisa que só Deus pode dar." (pág.15)

Para ilustrar a idolatria ao dinheiro, o autor cita exemplos de grandes investidores que, quando se viram diante de uma grande crise econômica e viram seus bens virarem pó, decidiram acabar com a própria vida. Já outros, na mesma situação, cuja vida tinha um outro propósito, seguiram adiante, com um padrão de vida menor, mas não inferior.

"De acordo com a Bíblia, os idólatras fazem três coisas com os ídolos. Amam-nos, confiam neles e lhes obedecem (...) Os que "confiam no dinheiro" sentem que têm o controle de suas vidas e estão seguros por causa das riquezas." (pág. 65)

Mas, o que podemos fazer, já que nosso coração é uma "fábrica de ídolos"?
Primeiro, precisamos identificá-los: Para onde vai seu pensamento quando não há nada exigindo sua atenção? Como você gasta seu dinheiro? "Pelo que você está realmente vivendo?" (pág.148)

Depois, temos de substitui-los> não basta só arrependimento e força de vontade, mas é necessário buscar "as coisas que são do alto", conforme Paulo escreve em Colossenses 3:1-3.
"Isso significa apreciação, alegria e descanso no que Jesus fez por você. Isso envolve adoração alegre, um senso de realidade de Deus na oração." (pág.150)

Ao buscar um relacionamento sincero com Deus, ficará mais fácil identificar nossos ídolos e buscar a alegria e paz que só Deus pode dar. Assim, se a casa cair (perdermos a saúde, o emprego, o alto cargo na empresa etc), estaremos firmes na rocha que é Cristo e seguiremos em frente com fé, paciência e oração.

Boa leitura!

Obs: outros livros do mesmo autor, que li recentemente: Justiça Generosa, O Deus Pródigo e O Ego Transformado.



domingo, 18 de junho de 2017

Ego transformado

Timothy Keller
Vida Nova - 48 páginas

"O ego vive chamando a atenção para si mesmo (...) 
Os sentimentos não podem ser feridos! É o ego que se sente machucado." (página 18)

Costumo brincar dizendo que o mundo de hoje é regido pela "umbigolatria": se meu umbigo está feliz (mesmo que aparentemente), faço o que quero, do jeito que quero, doa a que doer. 

Esse livrinho vai tratar justamente desse umbiguinho carente, que implora atenção: o ego.

Ao tomar como base o trecho da segunda carta aos Coríntios que vai do versículo 21 do capítulo 3 ao versículo 7 do capítulo 4, Tim Keller diz que, segundo Paulo, o motivo dos desentendimentos, da falta de paz no mundo e das inimizades entre as pessoas" é o orgulho e a vanglória.

A partir daí, ele passa a falar da condição natural do ego (que é vazio, dolorido, atarefado e frágil) e mostra que é possível transformá-lo.

"na tentativa de preencher o vazio e lidar com seu desconforto, o ego vive se comparando com outras pessoas. E faz isso o tempo todo." (pág.19)

Por fim, o autor fala da humildade que está por trás de um verdadeiro coração transformado: 

"Depois de conversarmos com alguém que tem a humildade do evangelho, o que impressiona é quanto essa pessoa se interessou por nós. Isso porque a essência da humildade resultante do evangelho não é pensar em mim mesmo como se eu fosse mais, nem pensar em mim mesmo como se eu fosse menos; é pensar menos em mim mesmo." (pág.34)

"A humildade verdadeira que brota do evangelho significa ter o ego satisfeito, não inflado." (pág. 35)

Quer saber mais? Então leia esse livreto: é  pequeno no tamanho mas, certamente, vai te edificar muito!

Boa leitura!

Obs: Do mesmo autor, li também Justiça Generosa e O Deus pródigo.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

O Deus pródigo

Timothy Keller
Ed Thomas Nelson Brasil - 174 páginas

"É impossível perdoar alguém quando você se sente superior a essa pessoa." (página 80)

Há cerca de 1 mês li Justiça Generosa do mesmo autor e gostei da ênfase que ele deu para algo que deixamos meio de lado: a ajuda aos necessitados, em seus diversos níveis. 

Agora, nessa obra que tem como pano de fundo a parábola do filho pródigo, relatada em Lucas 15:11-32, Tim Keller mostra os dois tipos de filho da história: o mais jovem que pede sua parte na herança ao pai e a dissipa em prazeres e o mais velho, que faz tudo direitinho mas, no fim, reclama da festa que o pai dá por ocasião da volta do seu irmão mais novo. Segundo o autor, ambos os filhos estão perdidos e precisam se reencontrar no amor do pai.

Para Tim "nossas grandes cidades estão repletas de irmãos mais novos que fugiram das igrejas dominadas por irmãos mais velhos." (pág 93). Ou seja, há muito legalismo nas igrejas, que não acolhem devidamente o imaturo na fé e acabam, inclusive, "colaborando" para que este saia da igreja triste e magoado.

Mas a boa notícia é: Deus ama a ambos! O que "precisamos é o amor acolhedor de Deus (...) O pai vai ao encontro de ambos os filhos e expressa o amor por eles, para convencê-los a participar do banquete." (pág 101)

Com lucidez e sabedoria, o autor explica sua tese e dá exemplos de como podemos caminhar rumo à maturidade cristã ao identificar traços de irmão mais novo - ou de irmão mais velho - em nossas vidas.

O banquete está para ser servido: basta uma atitude nossa para garantirmos nosso lugar à mesa junto ao nosso Pai amoroso. O que você precisa abrir mão para participar?

Boa leitura!

segunda-feira, 12 de junho de 2017

A vigésima segunda visita da generosidade

Guilherme Antunes
Ed Penalux - 154 páginas

"A generosidade acrescenta-nos a gratidão. Desfaz enganos. Antecipa-nos verdades ao dizer-nos o óbvio de que a vida sempre se bastou com pouco. Os pássaros de nada precisam no reino dos céus." (página 15)

Há cerca de 1 ano, conheci os textos do Guilherme através da leitura de seu sublime Teoria Geral do Desassossego. Mais uma vez, o autor transborda afetos:

"Guardo-me para os amanhãs que muitas vezes não vivo. Desperdiço-me nos amanhãs que sem eu esperar me consomem. Sonho para me salvar naquilo que ainda não sou. Vivo para realizar aquilo que ainda não sei." (pág.27)

"Amar é verbo sem cobranças. Amor sem promessa tem perfume de gratidão, perfumando-nos e, por consequência, perfumando o outro, sem esperarmos por isso." (pág.77)

"Posso dizer-lhe que sei amar e que fui amado, mas não sei dizer o que o amor é. Pois nos braços do amor morri e das suas mãos à vida tornei, mas não sei o contorno daquilo que me pôs a morrer ou renascer." (pág. 109)

Ele fala sobre medo, desequilíbrios da vida, dor, ansiedade, sonhos, amor, morte, saudades, erros, defeitos e sobre o ato de escrever, de transformar palavras em sentimentos com significados:

"... a vida que nos seus silêncios usa-me para escrever..." (pág.18)

"Costuro na palavra a poesia para fechar feridas." (pág. 22)

"São as palavras do poeta suas amantes: todas grávidas de sonhos." (pág. 67)

A vida é bela - apesar das circunstâncias e de nós mesmos - a partir do momento que mudamos nosso modo de enxergar as coisas e nos transformamos:

"Dói-nos desalojar certezas. Talvez seja a vida apenas isso: desalojar certezas."
(pág. 86)

Boa leitura!



sexta-feira, 9 de junho de 2017

O navio das noivas

Jojo Moyes
Ed Intrínseca - 384 páginas

"Minhas horas avançam em direção ao nada." (página 176)

O livro começa na Índia em 2002, com uma jovem inglesa e sua avó viajando pelo país. Graças a um pequeno incidente, a senhora se depara com cemitério de navios e reconhece um deles, que marcou a sua vida em 1946.

Depois, o livro avança para a época do pós-guera e passamos a conhecer a vida de 4 jovens: Avice (rica e cheia de caprichos), Jean (uma adolescente maluquinha), Frances (a enfermeira discreta) e Margaret (a amigona grávida). Cada um tem sua história de vida e todas tem o mesmo destino: deixar a Austrália para trás a bordo no navio Victória, junto com cerca de seiscentas e sessenta mulheres, para reencontrar seus maridos na Inglaterra.
Durante as seis semanas de viagem muita coisa acontece, além do cronograma previsto e é impossível não se envolver com cada uma delas e com os seus segredos. 
No começo, pensei que iria me cansar da leitura logo, pois isso aconteceu um pouco com o último que li da Jojo (A Baía da Esperança), mas foi o contrário. Como a avó do começo não é identificada, fiquei curiosa para saber qual das 4 era ela.
Não vou falar mais para não entregar nenhum spoiler sem querer, mas o romance é gostoso de ler e retoma um tempo da história em que amor, promessas e casamento caminhavam juntos. Quando isso não acontecia o que sobrava era dor e vergonha. Da mulher, claro.

Boa leitura!

p.s. se você gostou da resenha, leia também o que escrevi sobre outros livros da autora:  A última carta de amorComo eu era antes de vocêA garota que você deixou para trás.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Depressões

Herta Müller
Editora Globo - 161 páginas

"Tudo parece próximo e, quando nos aproximamos não chegamos lá. Eu nunca entendi essas distâncias. Eu sempre estava atrás dos caminhos, tudo corria à minha frente. Eu só tinha a poeira na face. E em lugar nenhum havia um fim." (página 23)

"Depressões" é um dos 15 contos desse livro, o maior deles, que conta as lembranças de uma menina no campo, sua vida na aldeia com seus pais e avós. Ela não recebe carinho, pelo contrário, só broncas, tapas e bofetadas.

"Toda vez eu caía e começava a chorar, mordia o pente na minha dor e sabia, nesse instante, que não tinha pais, que estes dois não eram ninguém para mim, e me perguntava porque estava sentada nesta casa, nesta cozinha com eles..." (pág. 68)

Há toda uma descrição do campo, dos insetos, das flores e do comportamento da família e da aldeia, que fica em algum lugar de Banat, região limítrofe da Romênia com a Hungria e a Sérvia.

Todos os contos são carregados de tristeza e conformismo. Não há liberdade de ser o que se é, mas o que se esperam que você seja, num mundo que é assim mesmo. 

Como a autora cresceu sob de Ceausescu e mudou para a então Alemanha Oriental, levou consigo o sentimento de seu povo e da opressão que é a vida numa ditadura. Ela recorre a frases curtas, fragmentadas, para que o leitor imagine a beleza ou a dor do momento.

Vale a pena a leitura!


terça-feira, 16 de maio de 2017

Depois de Auschwitz

Eva Schloss
Universo dos livros - 304 páginas

"Somente quando se está encarcerado ou incapaz de tomar suas próprias atitudes, você percebe que um dia inteiro é um período extenso que pode se estender por uma eternidade." (página 83)

Eva nasceu em 1929 na Áustria e tinha uma vida feliz com seus pais (Erich e Fritzi) e irmão mais velho, Heinz, até que estourou a Segunda Guerra Mundial. 

A família fugiu para a Holanda, se separou e ficou escondida até que um dia foi pega, graças à delação de "amigos".

"Fui capturada pelos nazistas no meu aniversário de quinze anos. Era 11 de maio de 1944..." (pág. 88)

A partir daí, começou o inferno na vida dessa jovem: a família foi parar em Auschwitz-Birkenau e sofreu todo tipo de abuso físico, psicológico e moral.

"Eu era agora a prisioneira A/5272 - parte de um processo cujo objetivo era acabar com meu orgulho e com minha identidade." (pág.108).

Uso de baldes sanitários, ratos e insetos na cama, fome, trabalho árduo, frio, humilhações. Imagine tudo isso elevado a enésima potência, já que ainda havia a presença constante de guardas e os castigos.

Ler um livro desses não é fácil: você se depara com o pior do ser humano e não entende nunca como foi possível tanta crueldade. Crianças, adolescentes, famílias inteiras foram dizimadas como vermes. Claro que havia lampejos de solidariedade nesse meio, mas a natureza das maldades era tão gritante, que deixa qualquer um perplexo ao tomar conhecimento.

Eva sobreviveu e, graças a coragem dela de rever suas feridas, conhecemos um poucos mais do Holocausto e dos horrores da guerra.

Boa leitura!


quinta-feira, 11 de maio de 2017

Justiça Generosa

Timothy Keller
Ed Vida Nova - 208 páginas

"A Bíblia é, do começo ao fim, um livro dedicado à justiça no mundo (...) Ela nos oferece tudo que precisamos - motivação, orientação, alegria íntima e poder - para vivermos uma vida justa." (página 15)

Esse livro é, do começo ao fim, um incentivo para que os cristãos arregacem as mangas e comecem a trabalhar, de fato, em prol dos mais vulneráveis, a saber, os pobres, os doentes, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros.

"Se nós, os crentes em Cristo, não honramos os clamores e necessidades dos pobres, deixamos de honrar a Deus." (pág 29)

Podemos ajudar em 3 dimensões: assistência, desenvolvimento e reforma social.

"Assistência é a ajuda direta que supre as necessidades física, material e financeira logo de início." (pág 122)

" Desenvolvimento significa oferecer a indivíduos, famílias ou comunidades inteiras aquilo de que precisam para se tornarem independentes da assistência e alcançar condições de autossuficiência econômica." (pág 123)

Por fim, a reforma social é o passo seguinte, quando o conjunto das ações de desenvolvimento se espalham e beneficiam todo um grupo ou comunidade, com mudanças estruturais de comportamento e modo de vida.

O autor levanta questões interessantes sobre evangelismo, assistencialismo, dedicação, formas de ajuda e outros temas que nos fazem refletir sobre nosso papel, independentemente do tamanho da igreja que frequentamos, ou da nossa disponibilidade. Sempre há algo a ser feito.

"...o evangelho produz interesse pelo pobre e as obras de justiça dão credibilidade à pregação do evangelho. " (pág 142)

É um ciclo: por você ter sido amado por Deus, você ama. E por amar, você faz. E, fazendo, você legitima aquilo que prega.

"Evangelismo é o ministério mais básico e radical possível para o ser humano. Isso é verdade não porque o espiritual é mais importante do que o físico, mas porque o eterno é mais importante do que o temporário." (pág 142)

E aí, se animou a fazer mais pelo próximo?

Boa leitura!

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Baía da Esperança

Jojo Moyes
Ed Intrínseca - 304 páginas

"Quando Liza não estava no mar com a tripulação, passava o tempo todo na cozinha. Não gostava de conversa fiada(...) Preferia ter uma porta fechada entre ela e o inesperado." (página 29)

Liza mora com a tia (Kathleen) e a filha de 11 anos (Hannah) em Silver Bay, uma cidadezinha litorânea da Austrália, e esconde um passado perturbador, que só a tia conhece. Elas administram um hotel simples (Baía da Esperança) e Liza ainda leva os turistas para alto mar em seu barco para observar baleias e golfinhos. Levam uma vida pacata, da forma que Liza deseja.
Um dia, Mike Dormer se hospeda no hotel com o objetivo de obter uma licença local para construir um resort de luxo, o qual trará sérios problemas ambientais. Como ele passa várias semanas ali, acaba conhecendo a vida de cada um que é próximo à família de Liza, incluindo seus amigos tripulantes de outras embarcações, os quais se reúnem para confraternizar no hotel todas as noites, após o expediente.
E agora, como ele vai seguir adiante com algo que pode destruir aquelas pessoas - e aquele lugar como um todo - que ele aprendeu a amar? 


A história é contada sob o ponto de vista de cada personagem e, apesar trazer uma trama bem amarrada, demora pra engrenar. Por ter detalhes da vida na cidade e da vida das baleias, algumas vezes parece que se está lendo algum livro de biologia marinha. As descrições cansam. É só do meio para o fim que a história anda e ficamos na torcida para um final feliz.

Não é um livro sensível e delicado como os outros dela que viriam anos depois e seriam sucesso, como A última carta de amorComo eu era antes de vocêA garota que você deixou para trás. Mas, de qualquer forma, vale pena a leitura!



sábado, 29 de abril de 2017

Toda luz que não podemos ver

Anthony Doerr
Ed Intrínseca - 528 páginas

"Algumas tristezas nunca deixam de existir."
(página 501)

Ganhei esse livro do meu amigo Potter, também conhecido como Toshio que, aliás, conhece minhas preferências literárias desde o século passado (não é exagero!). E, pra variar, ele acertou em cheio: devorei o livro em poucos dias e já comecei a imaginar o belo filme que dará se for parar na telona.

A trama se passa entre 1934 e 1944, mas começa em 1944 em Saint-Malo, na região da Bretanha, durante o bombardeio norte-americano para libertar a cidade da ocupação nazista alemã. A partir daí, o leitor vai e vem no tempo, e passa a conhecer a vida de 2 jovens que moram bem distantes um do outro.

Marie-Laure tem 16 anos e ficou cega ainda criança, em decorrência de uma catarata bilateral congênita. Ela foi criada pelo pai em Paris e, com a guerra, os dois tiveram que partir rumo a Saint-Malo, para ficar na casa de um tio-avô.
O pai de Marie é Daniel LeBlanc, chaveiro-chefe do Museu Nacional de História Natural de Paris, que sempre a levou para visitar seu ambiente de trabalho. De um certo modo, ela conhecia tudo por lá. Além disso, visando sua autonomia, Daniel fez uma maquete do bairro onde moravam para que Marie-Laure pudesse se ambientar caso tivesse que sair para a rua sem ele. A maquete tinha os detalhes das casas, das ruas e até dos bueiros, pois são pontos fáceis de serem identificados por quem usa uma bengala para se locomover e não enxerga nada. Com a mudança de cidade, Daniel construiu outra maquete que, além das funções anteriores, teria outra secreta: a de ser guardiã de um diamante valioso, chamado Mar de Chamas.

Já Werner é um alemão de 18 anos que, em 1944 ficou preso num porão, depois que o hotel em que estava foi bombardeado. Apesar de jovem, é especialista em consertos de rádios e transmissores, além de identificar sinais e frequências com facilidade e rapidez, algo imprescindível durante a guerra. Werner é órfão e cresceu num orfanato com sua irmã. Não teve muitas escolhas e, como seu talento foi descoberto cedo, conseguiu escapar do trabalho nas minas de carvão, local que ceifara a vida de seu pai anos antes. Sendo assim, ao partir para aprimorar seus estudos com transmissores numa cidade distante da sua, ele deixou pra trás sua vidinha de órfão e passou a encarar os horrores da guerra de frente.

Bom, não dá pra falar mais sem entregar a graça do livro, que é a evolução de cada personagem e as idas e vindas no tempo. Não é à toa que a obra foi vencedora de um Pulitzer de ficção (2015).

Vale a pena a leitura!

Ele me fez lembrar um pouco O Pintassilgo, obra de Donna Tartt: temos um museu, um órfão e o cuidado com um bem muito valioso...

sexta-feira, 14 de abril de 2017

Amor Líquido

Zygmunt Bauman (1925-2017)


Zahar - 192 páginas




"É da natureza do amor (...) ser refém do destino." (página 21)

Esse foi um dos 4 livros que ganhei dos meus colegas de trabalho, pelo meu aniversário, e posso afirmar agora que foi o que mais gostei!

Ler Bauman é viajar em cada linha. É ora concordar, ora discordar, é parar - sempre - pra pensar.
Nosso mundo atual é confuso e concebe a vida e as relações humanas como algo utilitário, descartável, consumível.

"[A parceria] é eminentemente descartável. (...) as mercadorias podem ser trocadas (...) Mas, ainda que cumpram o que delas se espera, não se imagina que permaneçam em uso por muito tempo." (pág.28)

"...quando se entra num relacionamento, as promessas de compromisso são irrelevantes a longo prazo." (pág.29)

"Esta é uma época em que um filho é, acima de tudo, um objeto de consumo emocional." (pág.60)

Vivemos uma vida de ansiedade, pois sempre estamos pensando naquilo que (ainda) não temos e que deveríamos ter para nos fazer felizes/satisfeitos.

"Há sempre a suspeita (...) de que se esteja vivendo uma mentira ou um equívoco, de que algo de importância crucial foi esquecido (...) ou de um tipo desconhecido (...) ainda não foram aproveitadas..." (pág. 75)

Nossos lares não são mais ambientes de intimidade, pois cada um está na sua: "a casa torna-se um centro de lazer multiuso em que os membros da família podem viver, por assim dizer, separadamente lado a lado. " (pág.85)

Avaliamos nossos parceiros e amigos "nas alegrias do consumo" e desprezamos os valores intrínsecos de cada um, ou pelo menos, estamos quase chegando lá.

Por isso, ele afirma: "Amar o próximo como amamos a nós mesmos significaria então respeitar a singularidade de cada um - o valor de nossas diferenças..." (pág. 103)

Para piorar, procuramos viver isolados (mas chamamos isso de "protegidos"), interagindo só com nossos "iguais":

"Quanto mais as pessoas permanecem num ambiente uniforme - na companhia de outras "como elas" (...) mais tornam-se propensas a "desaprender" a arte de negociar um modus convivendi e significados compartilhados." (pág. 137)

"O fato de outros discordarem de nós (...), isso não é um obstáculo no caminho que conduz à comunidade humana. Mas a convicção de que nossas opiniões são toda a verdade (...), assim como nossa crença de que as verdades dos outros, se diferentes da nossa, são "meras opiniões", esse sim é um obstáculo." (pág.180)

Enfim, há muita coisa para refletir na leitura desse pequeno-grande livro, fruto da mente desse pequeno-grande homem.

Vale a pena conferir!


quarta-feira, 22 de março de 2017

Reparação

Ian McEwan
Companhia das Letras

"Não eram só o mal e as tramoias que tornavam as pessoas infelizes; era a confusão, eram os mal-entendidos; acima de tudo, era a incapacidade de apreender a verdade simples de que as outras pessoas são tão reais quanto nós." (página 37)

Essa trama se desenvolve a partir de um mal-entendido. Ou melhor, de vários, e suas consequências atingem não só os envolvidos, mas toda uma família.

Briony é uma adolescente de 13 anos que escreve pequenas peças teatrais para a família. É a caçula de 3 irmãos: Cecília é dez anos mais velha e Leon é o primogênito, doze anos mais velho que ela. Para quem ama escrever e interpretar, Briony tem uma imaginação supercriativa e apurada. 

Um dia, ela presencia algo:
"Briony havia chegado a uma das janelas escancaradas do quarto e certamente viu o que estava diante de seus olhos por alguns segundos antes de registrar o que via (...) O que se apresentava ali fazia sentido..." (pág.35)

Robbie Turner, o filho da faxineira que crescera com eles e tinha praticamente a mesma idade que Cecília, está conversando com ela perto da fonte. De repente, ela tira a roupa, fica com só com a roupa de baixo, e pula na fonte. Depois sai de lá, coloca a roupa, pega um vaso e sai sem conversar com Robbie. Qual seria o motivo disso? O que ela acabara de testemunhar?

A partir daí, com a chegada de primos distantes, do irmão e do amigo dele, a casa fica cheia e outro incidente acontece com o desaparecimento dos primos gêmeos de 9 anos. Briony, então, se vê como a única testemunha de um crime e não tem dúvidas de quem é o culpado. Com a revelação, o caos se instaura e a família é praticamente destruída. Cada um segue sua vida (ou o que restou dela). 
Os meses e anos passam e, aos poucos, a culpa vai se instalando na vida de Briony:

"A culpa refinava os métodos de tortura que ela se infligia, enfiando uma a uma as contas dos detalhes num fio eterno, um rosário que ela passaria o resto da vida dedilhando." (pág.131)

É uma história linda, trágica, mágica, que mostra as consequências de atos impensados na vida das pessoas que nos são mais próximas e queridas. É uma história de dor, separação, mas também é de superação, amor e, claro, reparação.

Vale a pena a leitura!

quinta-feira, 9 de março de 2017

Diário de um ano ruim

J.M.Coetzee
Companhia das Letras - 242 páginas

"A pessoa se apega à convicção de que alguém, em algum lugar, a ama o suficiente para a ela se apegar, para impedir que seja levada. Mas a convicção é falsa. Todo amor é moderado, no fim. Ninguém irá com ninguém." (página 173)

Li Desonra há cerca de um ano e meio e foi meu primeiro contato com Coetzee, um autor que alia sensibilidade à dura realidade da vida. Na época, disse que o livro foi um soco no estômago (e foi mesmo!). Neste livro, porém, a situação não chega no limite físico como no outro, mas nem por isso é menos perturbador.

Aqui temos o Señor C, um respeitado escritor sul-africano de 72 anos, que mora em um condomínio na Austrália e recebe uma incumbência de um editor alemão: escrever suas opiniões acerca de temas atuais. Como ele tem uma certa dificuldade em digitar, grava suas ideias em um gravador para que sejam posteriormente escritas. 
Ao conhecer a jovem filipina Anya na lavanderia do condomínio, oferece-lhe o emprego de digitadora. Ela, que não trabalha, decide aceitar depois de conversar com seu parceiro, Alan, um investidor de sucesso.
Anya não apenas digita as ideias, mas questiona e opina também. Além disso, conversa com Alan e ambos tentam entender as opiniões do velho escritor. Nesse processo, todos vão deixando transparecer quem realmente são e, com isso, passam a enxergar o outro de uma forma diferente da que tinham até então.
É uma obra densa, que entrelaça em um mesmo capítulo trechos das opiniões do autor, dos seus pensamentos e dos pensamentos de Anya. Tudo ao mesmo tempo.
Temas como política, pedofilia, terrorismo, música, turismo e até pós-vida são tratados de forma direta, com suas afirmações e dúvidas, fazendo com que o leitor também seja obrigado a refletir e se revelar, assim como os personagens da trama.
O final é para fazer qualquer coração duro e insensível se desmanchar: lindo e comovente.

Vale a pena a leitura!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O tribunal da quinta-feira

Michel Laub
Companhia das Letras - 184 páginas

"Hoje é quinta-feira, e na retrospectiva dos últimos quatro dias o que me afetou de verdade não foi essa agressão inicial, nem a vingança pública e ruidosa promovida por Teca na sequência. Ou foi tudo isso..." (página 133)

José Victor é diretor de criação de uma agência de publicidade, tem 43 anos e nos conta como sua vida virou o caos, depois que sua ex-mulher Teca lê alguns e-mails dele e descobre sua traição com a redatora-júnior da agência.
Esses e-mails eram destinados à Walter, seu amigo de faculdade, soropositivo. Por serem amigos de longa tinham muita cumplicidade e, claro, tinham liberdade para trocar segredos e usar termos e palavras que só um melhor amigo entende, mas que fora de contexto podem ganhar outra dimensão.
Ao descobrir a traição, Teca divulga trechos dessas mensagens a um grupo de amigos e influenciadores,que disseminam toda sua raiva e rancor nas redes sociais.
A hipocrisia social é o destaque dessa narração, que coloca José como vítima do tribunal da vida e levanta questões relevantes nesses dias: até que ponto nossos segredos estão salvos num mundo que mergulha na falta de privacidade das redes sociais? O que faz alguém que comete falhas/pecados a apontar o dedo ao próximo sem considerar seus erros/pecados, apesar de serem diferentes? O que nos torna melhores que o próximo?

Achei algumas coincidências no livro: o narrador trabalha no 14º andar de uma agência de publicidade na Berrini. Eu, por anos, trabalhei no mesmo andar na mesma região, trabalhando com Marketing. Além disso, assim como o autor, tenho 43 anos e vivi a mesma época narrada por ele. Portanto ao falar da novidade da AIDS nos anos 80 e a morte de personalidades como Cazuza, Sandra Bréa, Caio Fernando e outros, voltei no tempo!

Boa leitura!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Noite do Oráculo

Paul Auster
Companhia das Letras - 224 páginas

"Não queremos saber quando vamos morrer ou quando as pessoas que amamos vai nos trair. Mas somos ávidos para conhecer os mortos antes de estarem mortos, de nos relacionarmos com os mortos quando vivos." (página 115)

Sidney Orr é um escritor de 34 anos que está se recuperando de uma doença grave, que o deixou meses entre a vida e morte num hospital. Aos poucos, ele começa a caminhar pelo bairro e, depois de comprar um caderno azul de Portugal, na loja de um chinês, volta a escrever. Aliás, não só volta a escrever, como vê que as palavras nascem com urgência naquele caderninho quase mágico.

E aí, Orr começa a escrever seguindo o conselho de seu amigo mais velho e também escritor, John Trause: a partir de um gancho de O Falcão Maltês, ele cria Nick Bowen, um editor de uma grande editora, que larga a vida que tem, depois de quase morrer atingido por uma gárgula de calcário. Ele larga a esposa Eva, abandona o trabalho e pega um voo para o primeiro lugar que aparece. A trama então, se desenvolve, e Orr aos poucos vai percebendo que ficção e realidade começam a se misturar, revelando coisas futuras e passadas.

Orr é casado com Grace, a ama muito, mas sabe que ela tem um passado que nunca foi revelado. Ele não se importa até que um dia ela aparece grávida, aos prantos. Qual seria o motivo? E então, ele começa a escrever sobre isso também no famoso caderninho.

Não vou contar mais para não estragar, mas a trama te prende do começo ao fim e, sem querer, você viaja com Sidney nas suas ideias e paranoias.

"Enquanto você está sonhando, sempre tem uma saída..." (pág. 128)

Vale a pena a leitura!